A (in)segurança frente aos procedimentos restauradores

Uma simples – ou complexa – restauração anterior pode despertar uma ansiedade sem precedentes. Não me refiro à expectativa do paciente com a obtenção do resultado, mas àquela de quem irá executá-la.

 

Recebemos treinamento técnico durante a nossa formação. Ocasionalmente nos atualizamos frente às técnicas restauradoras mais recentes. Temos, hoje, infinitos conteúdos técnicos-científicos do tipo “faça você mesmo” disponibilizados na internet para quando quisermos ler ou assistir. Mas por que a insegurança em realizar restaurações “estéticas” ainda bate para 50% de nós?*

 

A profissão Odontologia exige um vasto conhecimento técnico dos seus. Porém, apesar de um grande conteúdo ser enfrentado por nós durante a nossa formação, não somos treinados para desenvolver um senso crítico no que diz respeito aos procedimentos restauradores. Não é verdade?

 

Faça uma reflexão nesse momento. Você recebeu treinamento na sua graduação ou pós-graduação sobre todos os materiais restauradores que temos no mercado? Sobre os diferentes conceitos restauradores que existem? Sobre todos os fatores que influenciam na aparência das restaurações diretas ou indiretas? Acredita que treinou bastante?

 

Existem disponíveis, comercialmente, mais de 70 marcas de resinas compostas e mais de 30 de sistemas cerâmicos. É compreensível a limitação das diferentes escolas no que diz respeito ao ensino. Não há tempo hábil. Mas tenho certeza de que você já ouviu falar de uma “resina maravilhosa” que um determinado professor diz usar. Ou de uma espátula, pincel ou lupa, que outro professor vende. Em um meio profissional ofuscado pelo branding, frequentemente presenciamos o lançamento de novos materiais, instrumentais ou técnicas com a chancela de um dentista renomado.

 

Além do apelo comercial gerado pela indústria, vivemos na era da informação e presenciamos um crescimento exponencial do número de pessoas que “ensinam” na Odontologia. Alguns com formação apropriada e bom senso, mas outros não. Muitos desses que se dizem influenciadores querem mostrar sempre a novidade, estar à frente do seu tempo ou até mesmo impressionar. Com as redes sociais, somos bombardeados diariamente com propagandas de todos os tipos.

 

Não é comum falar sobre segurança ou confiança profissional no nosso meio. Se esse assunto não é discutido na base da nossa formação, fica difícil o fortalecimento de um senso crítico capaz de conseguir filtrar informações com conflitos de interesse, comerciais ou pessoais. Alguns podem achar que é papo-furado. Eu acredito ser muito relevante, uma vez que o erro ao realizar restaurações leva à necessidade de substituição das mesmas. E isso tem uma grande relevância, inclusive em saúde pública, quando consideramos a quantidade de restaurações substituídas no mundo todo por motivos estéticos, uma taxa estimada em mais de 200.000.000 por ano.

 

Não existe fórmula secreta para desenvolver a confiança e aumentar a segurança em realizar restaurações complexas. Não existe solução milagrosa, precisamos conhecer os materiais que desejamos utilizar e realizar treinamento com eles para desenvolvermos uma curva de aprendizado e irmos melhorando tecnicamente a cada procedimento.

 

Não esperamos de um(a) atleta de elite que ele(a) seja excelente? Não sabemos que ele(a) só chega lá depois de muito treino? E por que nós, meros dentistas, buscamos, às vezes, soluções mágicas e atribuímos o sucesso restaurador apenas ao material ou à destreza manual de cada um.

 

É preciso mudar esse pensamento, estudar e treinar para a ansiedade diminuir e a segurança aumentar.

 

* Salgado VE, Marques RC, Soares TRC, Cavalcante LM, Schneider LF. Self-perception of dental surgeons on color selection. J Clin Dent Res. 2019 May-Aug;16(2):74-83.