O emprego da luz, uma das mais belas formas de energia pura, vem desde os primórdios da civilização, sendo conhecidas algumas de suas propriedades terapêuticas, principalmente no que se refere a atuação nos processos de dor e inflamação. A luz permitiu aos médicos da antiguidade observar a cor da pele, inspecionar feridas e escolher a intervenção terapêutica apropriada. O calor proveniente da luz do sol ou de fogueiras de acampamentos foi utilizado em tratamentos. Gregos e romanos tomavam banhos diários de sol e solários foram incorporados a várias casas romanas. Os antigos egípcios, chineses e indianos usaram luz para tratar raquitismo, psoríase, câncer de pele e até mesmo psicose. Essas e outras aplicações da luz foram precursoras da invenção e do uso subsequente de uma forma especial de luz — lasers — nos campos da medicina e odontologia ao longo das últimas quatro décadas e meia (GENOVESE, W.J., 2007; CONVISSAR, 2011).
Avanços da física no início do século XX lançaram as bases para a formulação da teoria do laser, postulada por Albert Einstein, culminando com a invenção dessa forma especial de luz em 1960. Pouco tempo depois, pesquisadores começaram a explorar as possíveis aplicações da tecnologia laser em tratamentos médicos e odontológicos. (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; GENOVESE, W.J., 2007; CONVISSAR, 2011).
A palavra laser se origina da abreviação de seu próprio significado, (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation), referindo-se à amplificação da luz por emissão estimulada de radiação (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004).
A utilização do laser é considerada um dos maiores avanços tecnológicos para a Medicina e a Odontologia. Em razão de suas propriedades diferenciais como a monocromaticidade, coerência, direcionalidade e brilhância, o laser pode uma grande quantidade de energia nos tecidos biológicos com extrema precisão, o que permite a sua utilização em doagnósticos e terapias nas mais diversas áreas (GENOVESE, W.J., 2007).
Os lasers podem classificados em duas famílias, conforme sua potência e a capacidade de interação com os tecidos (forma de atuação) como laser de baixa intensidade de energia – muito utilizados em Odontologia, e lasers de alta intensidade de energia, sendo, principalmente cirúrgicos. Os lasers de baixa intensidade são empregados com o propósito terapêutico (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; GENOVESE, W.J., 2007).
A utilização do laser em baixa intensidade promove uma recuperação mais rápida e menos dolorosa, nos casos de estomatite aftosa recorrente (aftas), úlceras traumáticas, lesões herpéticas, pericoronarite (inflamação na região dos sisos), gengivite, hipersensibilidade dentinária, queilite angular, síndrome da ardência bucal, alveolite, disfunção temporomandibular (DTM) e mucosite (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; GENOVESE, W.J., 2007).
Os lasers para tecido mole são utilizados para incisões e homeostasia, como possuem boa absorção por pigmentos e sangue e atuam por vaporização. Quando uma superfície é irradiada têm-se a formação de 3 zonas bem definidas sobre o tecido hígido. Uma zona de vaporização, uma de necrose, e outra de coagulação. Essas zonas variam em tamanho de acordo com a energia e foco do laser aplicado. Quanto maior a energia, maior a zona de vaporização e será realizada uma incisão mais profunda, com a vantagem de ser livre de sangramento e reduzir o número de microrganismos. Dessa mesma forma, quanto menor a energia, menor será a vaporização e maior a zona de coagulação (JORGE, A.C.T.; CASSONI, A.; RODRIGUES, J.A., 2010).
Além da energia, o foco do feixe de laser também influencia na relação vaporização/coagulação, quanto mais focado menor é o diâmetro e maior a profundidade da incisão. Se o laser for desfocado diminui a vaporização resultando no aumento do diâmetro da incisão e redução da profundidade, sendo que quanto mais desfocado maior é o efeito de coagulação e hemóstase JORGE, A.C.T.; CASSONI, A.; RODRIGUES, J.A., 2010).
Os lasers para tecido duro atuam por ablação, que é um mecanismo no qual energia do laser absorvida pela água e pela hidroxila na hidroxiapatita, causando um rápido aquecimento e aumento de volume resultando em altas pressões internas que levam à remoção do substrato na forma de microexplosões (JORGE, A.C.T.; CASSONI, A.; RODRIGUES, J.A., 2010).
Ressalta-se que o laser é versátil e seletivo. Uma vez aplicado sobre tecidos duros, um mecanismo reconhece o comprimento de onda diferente e há inibição da irradiação até que o operador direcione novamente aos tecidos moles (CARDOSO, M.V.; KARAM, P.S.B.H.; ZANGRANDO, M.S.R. et al., 2016).
Em 1990, a U.S. Food and Drug Administration (FDA) aprovou a utilização do laser em cirurgias odontológicas em tecido mole, reconhecendo os benefícios dessa tecnologia (SANTOS, E.S.R., IMPARATO, J.C.P., ADDE, C.A. et al., 2007).
Os procedimentos com laser de alta potência em tecidos moles na Odontopediatria incluem correções do freio maxilar, correções do freio mandibular, correções do freio lingual, tratamento da dor ou infecção da pericoronarite, remoção de tecido hiperplásico causado por drogas ou pela higiene oral deficiente em pacientes ortodônticos, biópsias, tratamento da úlcera aftosa e herpes labial, pulpotomias, capeamento direto, exposição de dente não irrompido (KUHN-DALL’MAGRO, 2013).
Os lasers cirúrgicos podem ser usados para realizar muitos procedimentos com pouco ou nenhum sangramento quando usados com níveis de energia menores do que para tecidos duros, e sem spray de água. Além disso, ressalta-se que os pacientes com distúrbios sanguíneos, como a doença de von Willebrand e a hemofilia ou aqueles que usam anticoagulantes (aspirina, varfarina) se beneficiam da capacidade superior hemostática desta técnica (CONVISSAR, R.A., 2011).
O tipo de laser a utilizar define-se pelo tipo de tecido que vai sofrer a intervenção. Quando mais fibrótico é o tecido mais energia é necessária para incisão. Existem vários tipos de laser de alta potência que, de acordo com suas características (comprimento de onda, potência, forma de emissão) interagem de maneira diferente com os tecidos (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; KUHN-DALL’MAGRO, A.; LAUXEN, J. R. SANTOS, R. et al., 2013).
Nesse sentido, destaca-se a afinidade entre o laser de CO2 e os tecidos com altas concentrações de água; o laser de Argônio, assim como o Nd:YAG (Neodímio dopado com ítrio-alumínio-granata) e suas preferências por tecidos pigmentados, vascularizados e necróticos. Também é importante o modo como é utilizado: focado, com maior profundidade e menor diâmetro de ação, promovendo a função de corte semelhante a lâmina de bisturi, mas com as características do emprego do laser (como esterilização e coagulação instantâneas); ou desfocado, atingindo apenas as camadas superficiais dos tecidos, e abrangendo uma área de superfície maior, levando a ablação ou vaporização de tecidos, muito utilizado para a remoção de lesões brancas como as leucoplasias, hiperqueratoses ou na remoção da cárie dental (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004).
Quanto maior a energia, maior a zona de vaporização e, consequentemente, maior a profundidade da incisão, com a vantagem de ser livre de sangramento e reduzir o número de microrganismos. Quanto menor a energia, menor é a vaporização e maior a zona de coagulação. Quanto mais focado, menor é o diâmetro e maior a profundidade; por fim, quanto mais desfocado, maior é o efeito de coagulação e hemostasia (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; CONVISSAR, 2011).
O laser Er:YAG (Erbio dopado com ítrio-alumínio-granada) tem uma alta absorção por água e tecidos minerais, o que torna o seu comprimento de onda (λ) útil em tecidos mais duros, uma vez que não provoca uma homeostasia eficiente, não sendo indicado para áreas com tendência hemorrágica (GONTIJO et al., 2005).
Já o laser de Diodo possui alta absorção por tecidos pigmentados, que contêm hemoglobina, melanina e colágeno, sendo indicado para cirúrgicas em tecidos moles, vaporização, curetagem, coagulação e hemostasia. Não é indicado para tecidos ósseos devido ao rápido aumento de temperatura que pode ocorrer no tecido alvo. Além disso destaca-se o papel do uso de laser de Diodo na descontaminação de bolsas periodontais, apresentando um efeito bactericida e contribuindo na redução do nível de inflamação das bolsas periodontais (GONTIJO et al., 2005; GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; CONVISSAR, 2011).
Diversos autores destacam as vantagens do uso de laser de alta potência para cirurgia de tecidos moles. Dentre elas, pode-se citar a hemostasia, redução da dor e infecção pós-operatória, menor contração tecidual, eliminação da necessidade de sutura, menor tempo cirúrgico, redução do trauma, edema e cicatrizes. Em lesões malignas ou cancerizáveis, existe menor risco de metástase, uma vez que o laser faz o selamento imediato dos vasos sanguíneos e linfáticos (GUTKNECHT & DE PAULA EDUARDO, 2004; CONVISSAR, 2011; KUHN-DALL’MAGRO, 2013; CARDOSO, M.V.; KARAM, P.S.B.H.; ZANGRANDO, M.S.R. et al., 2016; TOMAZINI, 2017).
Há relatos ainda, sobre a redução da necessidade do uso de anestesia em alguns procedimentos, como incisão e drenagem de abscessos, ulectomia, frenectomia, gengivectomia, gengivoplastia, curetagem de bolsa periodontal e excisão de tumores pediculados. Além disso, a redução de formação de cicatrizes pode ser explicada pela matriz extracelular remanescente, que não é destruída pelo laser, funciona como um splint mecânico que impede o tecido de granulação de contrair-se (CONVISSAR, 2011; KUHN-DALL’MAGRO, A.; LAUXEN, J. R. SANTOS, R. et al TOMAZINI, 2017).
As indicações para a correção do freio no paciente bebê, criança ou adolescente variam da incapacidade de sucção em recém-nascidos às patologias da fala nas crianças e aos problemas ortodônticos nos pacientes pré-adolescentes e adolescentes. A correção de um freio alterado da forma convencional (bisturi), eletrocauterização ou com laser de alta potência, é basicamente a mesma, a remoção das fibras que causam o problema. Os três tipos de frenectomia são lingual, labial superior e labial inferior (CONVISSAR, 2011; CARDOSO, M.V.; KARAM, P.S.B.H.; ZANGRANDO, M.S.R. et al., 2016).
Pais e médicos de recém-nascidos são muito reticentes ao fato de colocar uma criança na sala de operações sujeita a anestesia geral para um procedimento eletivo como a frenectomia. Como opção existe o tratamento no consultório médico, utilizando a electrocirurgia, bisturi convencional ou tesoura para cortar o tecido. A utilização do laser pode ser uma vantagem sobre todos estes métodos. KOTLOW (2011) reforça que os lasers são bactericidas, normalmente param o sangramento, não requerem o uso de suturas e, principalmente de anestesia. É rápido e seguro, portanto é uma boa alternativa de tratamento especialmente para crianças (KOTLOW, 2011).
ARAS M.H.; GÖREGEN M.; GÜNGÖRMÜS M. et al em 2010, utilizaram dois tipos de laser: o laser Er:YAG (2940 nm, 1W) e o laser de Diodo (808 nm, 2W). Os resultados demonstraram que ambos podem ser utilizados sem anestesia locorregional prévia. Não houve diferenças significativas entre os dois grupos relativamente ao desconforto pós-cirurgico, exceto nas primeiras 3horas, em que os pacientes sujeitos ao laser Er:YAG referiram mais queixas (ARAS M.H.; GÖREGEN M.; GÜNGÖRMÜS M. et al., 2010).
Para PETERSON, L.J.; ELLIS, E.; TUCKER, M.R. (2000), em relação a técnica anestésica a ser empregada, bloqueios linguais bilaterais e infiltração local na região anterior proporcionam anestesia adequada para uma cirurgia convencional de frenectomia (Para PETERSON, L.J.; ELLIS, E.; TUCKER, M.R., 2000).
KARA (2008) no seu estudo, comparou o laser Nd:YAG à cirurgia convencional com bisturi e concluiu que os pacientes tratados com laser referiram níveis mais elevados de satisfação. O pós-operatório é menos doloroso e surgem menos complicações funcionais que afetem a mastigação e a fala (KARA, 2008). Os mesmos resultados estiveram presentes no estudo de HAYTAC & OZCELIK (2006) em que se comparou a utilização do laser CO2 com a cirurgia convencional com bisturi. Os autores observaram que os pacientes tratados com o laser referiram que sentiram menos dor 1 e 7 dias após a cirurgia. Os mesmos resultados, nos dois tempos de observação foram visíveis relativamente à capacidade de mastigar e falar (HAYTAC & OZCELIK, 2006)
PARISSIS e MANOS (2008) compararam a utilização do bisturi eléctrico e do laser Er:YAG (700 µs pulsos, 150 mJ, 20 Hz, com spray água 5 ml/min e sem água) também em frenectomias. O objetivo do estudo foi investigar a mudança de temperatura no osso subperiósteo e o risco de dano no ato cirúrgico. Os resultados confirmam que o laser Er:YAG produz um risco de dano térmico para os tecidos subperiósteos muito menor do que o bisturi eléctrico.
No caso clínico apresentado por KAFAS, P.; STAVRIANOS, C.; JERJES, W. et al. (2009), foi realizada a frenectomia sem anestesia, com o laser de Diodo (1400 mW, 808 nm, radiação continua) aplicado vertical e lateralmente ao freio labial superior rompendo a continuidade da mucosa. Em seguida, fez-se um corte mais profundo do freio numa orientação horizontal. O procedimento foi feito em 5 minutos, sem dor. Não foram necessárias suturas, havendo uma hemostasia ótima logo após o procedimento. O paciente não relatou dor intra-operatória nem pós-operatória. Constatou-se que a maior vantagem da frenectomia em crianças com o laser diodo é evitar a utilização de anestesia infiltrativa com agulha. A maior desvantagem é o tempo necessário para uma abordagem com laser de Diodo em parâmetros que não provoquem dor, em comparação com a electrocirurgia e a cirurgia clássica com bisturi (KAFAS, P.; STAVRIANOS, C.; JERJES, W. et al., 2009).
Dessa forma, a introdução dos lasers na Odontologia, provocou nos pais bastante reflexão quando uma criança nasce com freio lingual anormal. A correção do freio com laser é uma opção segura, simples, rápida, e significativamente mais barata que a cirurgia convencional. Qualquer laser odontológico atualmente disponível (Nd:YAG, diodo, CO2, Érbio) pode realizar este procedimento literalmente em segundos, sem a necessidade de centro cirúrgico ou anestesia geral e em uma rápida visita ao consultório. É geralmente menos doloroso que a injeção de anestesia local, permitindo que a mãe comece a amamentar eficientemente e de modo menos doloroso (CONVISSAR, 2011).