O termo Halitose tem origem no latim, em que “halitus” significa ar expirado e o “osis” uma alteração patológica. É definida como uma alteração ou condição anormal do hálito, emanado de forma desagradável pelo ar exalado ou expirado. Não é considerada uma doença em si, e sim um sintoma indicativo da existência de uma condição sistêmica instalada.
57 milhões de brasileiros, o que representa 30% da população do país, são atingidos de forma ocasional ou crônica pela halitose, mais conhecida como mau hálito, de acordo com dados da Associação Brasileira de Halitose (ABHA).
Embora se fale e existam muitas pesquisas acerca da halitose, este não é um assunto alusivo à sociedade moderna. No período antes de Cristo, nos registros religiosos, em Jó (19:17) observa-se a citação, “A minha mulher não tolera o mau cheiro da minha boca”. O dramaturgo romano Titus Marcus Plautus (254-184 a.C.) já falava que o “fedor da boca” se encontrava entre as muitas causas de falta de fidelidade entre os casais. Segundo dados da Associação Brasileira de Pesquisa de Odores Bucais (ABPO), 40% da população brasileira possui halitose crônica; existindo mais de 50 possíveis causas para o desagradável mau cheiro bucal, sendo a grande maioria de localização bucal (85% dos casos).
A degradação de aminoácidos oriundos da dieta, em especial os que contêm enxofre, a incubação da saliva e metabolização de algumas cepas bacterianas presentes na cavidade oral emanam os compostos sulfarados voláteis (CSV), que são gases responsáveis pelo odor fétido emitido. Embora diversos sejam os microrganismos capazes de produzir estes CSV, os mais envolvidos neste processo são Porphyromonas gingivalis, Prevotella intermedia, Treponema denticola, Bacteroides forsytheus e Fusobacterium sp.
Existem três principais categorias de classificação da halitose: genuína, pseudo-halitose e halitofobia. A halitose genuína é caracterizada quando de fato existe alguma alteração que justifica o quadro clínico, podendo ser diagnosticado de modo organoléptico ou por mensuração dos compostos sulfarados voláteis (CSV) responsáveis. Há, ainda, a halitose não diagnosticada e sem indicativos clínicos, e que mesmo assim o paciente é convencido que possui, sendo chamada de pseudo-halitose. Há também o conceito de halitofobia, em que mesmo após o diagnóstico, tratamento ou a comprovação da não existência de halitose, o paciente continua acreditando possuir algum tipo de alteração perceptível em seu hálito.
Já foram comprovadas inúmeras causas da halitose, sendo as mais prevalentes as de origem bucal, como os processos cariosos, a periodontopatias, língua saburrosa, redução do fluxo salivar etc. representam 40% das causas de halitose, e o cirurgião-dentista destaca-se como o profissional responsável no diagnóstico e prevenção da halitose, devendo estar preparado a atuar de modo multidisciplinar, buscando melhor qualidade de vida ao paciente.
A língua é um dos maiores locais de acúmulo bacteriano na cavidade bucal, e favorecendo à este quadro a sua grande área e estrutura papilar na formação da saburra lingual, que nada mais é do que uma camada esbranquiçada constituída de matéria orgânica, incluindo células descamadas, leucócitos mortos, restos alimentares que se deposita sobre ela, e em que há uma agregação extensa da microbiota associada. Variações anatômicas e fisiológicas da língua, tais como: língua fissurada, ulcerada e pilosa podem contribuir para piorar a halitose.
Grande parte dos pacientes apresentam dificuldades de higienização da língua devido à alta sensibilidade que esta região apresenta, ocasionando episódios de ânsia de vômito (êmese), porém já foi comprovado que a limpeza deste órgão não apenas melhora a aparência clínica como também diminui a população microbiana, prevenindo o mau hálito.
Estudos realizados comparando a eficácia neste processo de higienização da língua com diversos instrumentos, dentre eles a própria escova dental, limpador de língua e uma gaze, mostrando que raspador de língua foi o que apresentou melhores resultados na remoção da saburra lingual e redução dos compostos sulfarados voláteis (CSV) do que a escova dental e mais ainda do que a gaze.
A saliva tendo em sua composição uma quantidade grande de mucina favorece a aderência de microrganismos sobre o dorso da língua. Portanto, a microbiota oral relacionada à halitose é, predominantemente anaeróbica proteolítica gram-negativa, que estabelece um processo de produção de compostos sulfarados voláteis.
A periodontite representa outra causa bucal fator importante para o estabelecimento da halitose, principalmente em sítios com bolsas profundas em que a predominância é de microrganismos anaeróbios gram-negativos produtores de gases como metilmercaptana que, além de potencializarem a doença periodontal, favorecem a inflamação e destruição dos tecidos.
Existem sinais que sugerem alteração sistêmica e que podem ser parâmetro de diagnóstico do mau hálito, facilitando encaminhamento a um profissional de atuação específica. Um exemplo é um mau odor bucal e nasal presente, como no caso dos diabéticos, que apresentam um hálito adocicado muito peculiar, devido ao acúmulo de corpos cetônicos; além do ressecamento bucal, aumentando a descamação celular e consequentemente a produção de compostos sulfarados voláteis (CSV). Outro caso são os pacientes com odor de peixe podre característico da síndrome do odor de peixe podre ou trimetilaminúria, que é uma desordem metabólica genética devido a falência na rota de oxigenação da trimetilamina para trimetilamina N-óxido no fígado.
Destaca-se também a tonsilite crônica caseosa, em que ocorre a formação e eliminação do cáseo, com a formação do mau hálito, além da sensação de desconforto, de corpo estranho ou irritação frequente na garganta. Em relação aos pulmões e brônquios, existem algumas doenças que causam necrose tecidual e ulcerações, que são liberados pela respiração através do ar expirado, causando mau hálito. Além disso, pacientes com problemas otorrinolaringológicos, geralmente apresentam dificuldades de respiração pelo nariz, tornando-se respiradores bucais, o que provoca aumento da descamação da mucosa bucal, aumentando a viscosidade da saliva e a formação de saburra lingual.
Alguns métodos e testes foram desenvolvidos com o objetivo de auxiliar o profissional da saúde a diagnosticar as alterações do hálito, através da detecção dos compostos sulfarados voláteis (CSV), tais como a cromatografia gasosa, halímetro, teste organoléptico e BANA. Através da cromatografia gasosa que foi possível a identificação e mensuração direta dos componentes individuais dos compostos sulfarados voláteis (CSV), como sulfeto de hidrogênio, metilmercaptanas e dimetilssulfeto.
A cromatografia gasosa utiliza o cromatógrafo gasoso por meio do ar expirado para identificar e quantificar os gases constituintes. Este apresenta um método de maior precisão na detecção desses gases que causam o mau hálito, porém o difícil acesso e a inviabilidade no uso clínico do cromatógrafo gasoso levou-se a busca por outras formas de captação.
O halímetro por se tratar de um aparelho portátil e de fácil manuseio, cada vez mais tem sido utilizado por profissionais da saúde com este objetivo. Ele aspira o ar através de um condutor descartável diretamente da boca do paciente e faz uma avaliação da possível presença de compostos sulfarados voláteis em partes por bilhão (ppb), onde é considerado normal um índice abaixo de 150 ppb (figura 3). É importante mencionar que o halímetro não consegue captar todos os odorivetores presentes no ar aspirado do paciente.
O teste BANA (benzoil-Dl-arginia-naftilamina) é um teste utilizado para identificar microbiota responsável pelas doenças periodontais. É um teste enzimático sensível à presença da enzima arginina hidrolase, e que microrganismos como Treponema denticola, Porphyromonas gingivalis e bacteroides forsyhtus são capazes de produzir arginina hidrolase, que também hidrolisa o peptídeo sintético benzoil-Dl-arginia-naftilamina (BANA), por este motivo este teste é um teste de alta precisão. O teste é realizado sobre um cartão próprio impregnado com substâncias específicas, e utilizando material coletado (placa bacteriana, saburra lingual) fornece um diagnóstico por meio de mudança de cores que indicam o quadro de negativo, fracamente positivo e positivo. É um teste seguro para ser usado na clínica, não invasivo, pode ser usado como forma permanente de arquivo, e auxiliar a outros métodos de diagnostico.
O teste organoléptico, possui uma utilidade limitada por depender da capacidade olfatório do examinador e que por condições climáticas e sensibilidade diminuída pode mascarar o diagnóstico. Ele consiste em avaliar no período do mau hálito que é relatado pelo paciente, através da respiração profunda pelas narinas e a expiração pela boca, onde o examinador posicionado aproximadamente a 20 cm do paciente detecta a presença de odor desagradável, referindo a classificação do mesmo em uma escala de 0 a 5.
O conceito mais aceito e imprescindível a respeito de saúde refere-se ao perfeito estado de harmonia física, mental e social do indivíduo. Muitos autores já mencionavam o ser humano e a sua indispensável necessidade de convívio em sociedade; e neste contexto de convivência em grupo a comunicação torna-se fator essencial e a fala um agente facilitador desta aproximação. A este conceito a presença de halitose é causa frequente de restrição social, diminuindo a qualidade de vida, além de ser indicativo de uma possível alteração patológica.
Como característica sintomática principal o mau cheiro bucal, a halitose torna-se uma situação constrangedora com significativo impacto social, caracterizando um transtorno na vida das pessoas, e as mesmas devido a capacidade que nosso olfato possui de se adaptar (acostumar) com o cheiro em pouco tempo, sendo notável apenas no primeiro momento e após não mais. Por esta e outras razões a halitose torna-se, assim, destaque como um problema de saúde pública e de difícil diagnóstico por se tratar de causas multifatoriais, com envolvimento de milhões de pessoas ao redor do mundo e muitos são os recursos investidos em produtos para melhorar este quadro, porém contudo, sem sucesso. Há estimativa de que, mais de 85 milhões de indivíduos sofram de algum transtorno relacionado a halitose, onde dados revelam que são gastos mais de 2 milhões de dólares por ano na compra de produtos para disfarçar o mau odor bucal, quando que na verdade esses valores seriam menores caso de fato fosse diagnosticado e tratado a causa.
Alguns autores mencionam que cerca de 40% ou até mais, da população mundial sofra de algum tipo de alteração e impacto social por causa da halitose. Já a Associação brasileira de Pesquisa dos Odores Bucais (ABPO), acredita que entorno de 30% a 40% da população brasileira apresenta halitose crônica. Estudos demostram a prevalência deste problema por faixa etária, onde 17% são entre 0 e 12 anos, 41% de 12 a 65 anos, e 71% nos indivíduos acimam de 65 anos. Dados que revelam este cenário devido o envelhecimento decorrente da redução da capacidade funcional das glândulas salivares. Tais achados podem ser comparados com os dos países desenvolvidos que apresentam entre 25% a 50% de comprometimento da fase adulta com halitose.
Diante do pressuposto, a halitose é uma condição afetada por diversos fatores independentes, apresentando um desafio de atuação multiprofissional com uma abordagem multifatorial e racional, sendo essencial para obtenção de resultados satisfatórios. E a abordagem clínica diante de uma boa anamnese deve ser cuidadosa e nenhuma evidência deve ser ignorada, já que a literatura destaca as muitas ênfases que são dadas para a alteração do hálito fétido bucal e poucos relatos quanto as outras origens, passando muita das vezes desapercebidas por cirurgiões-dentistas e médicos.
Muitos profissionais da área da saúde quando deparados com pacientes queixando-se de halitose tomam como conduta primária o encaminhamento a gastroenterologistas, e também a grande maioria dos pacientes buscam o primeiro atendimento a este profissional da saúde, que os submetem ao exame de endoscopia, na maioria das vezes desnecessariamente. Embora exista um esforço em associar a infecção por H. Pylori e halitose, ainda não existem comprovações quando a isto, não justificando a endoscopia de rotina na busca como a causa principal.
A grande maioria dos casos de halitose pode ser diagnosticado e tratado por um cirurgião-dentista qualificado, pois este caracteriza o profissional da saúde que mais tem contato com a boca e que, acredita-se que 80% a 90% dos odores desagradáveis do hálito origine-se da boca, e um pequeno percentual de aproximadamente 10% de outras origens: 8% do trato respiratório, 1% trato gastrointestinal e 1% outras.
Com base em uma apurada anamnese, exame clínico, complementares, uso de aparelhos auxiliares, técnicas de higienização, e principalmente a eliminação da causa principal se faz necessário para o paciente com diagnóstico de halitose, seja ela qual for a causa principal. O profissional possui uma gama possibilidades de busca do diagnóstico e indicação para o correto tratamento, que pode partir desde a remoção da causa (processo carioso, inflamatório, periodontais, métodos auxiliares com raspadores de língua, uso diário do fio dental, e até mesmo uso de colutórios bacterianos como a clorexidina) até a manutenção e prevenção para uma saúde bucal de qualidade.
A problemática sobre o mau hálito representa uma questão que tem levado diversos autores a publicarem suas obras sobre o tema, uma vez que consiste na preocupação de grande número de pessoas, tornando-se um problema de saúde pública, com causas multifatoriais e diagnóstico complexo. Além disso, a halitose afeta as relações pessoais e sociais, podendo originar preocupações, não só em relação à saúde, mas também alterações psicológicas, levando os indivíduos ao isolamento.
Na hora de buscar tratamento é bastante comum que as pessoas não saibam a qual profissional recorrer. Um dos motivos é que culturalmente a alteração do hálito está associada pela maioria à problemas estomacais ou a falta de higiene bucal. Na verdade, alterações no hálito provocadas pelo estômago respondem apenas a cerca de 2% dos casos. 90% tem origem bucal e as causas podem ir muito além de questões relacionadas a higiene. Por isso, o cirurgião-dentista qualificado é o profissional indicado para diagnóstico e tratamento. Embora existam situações onde uma integração entre a área odontológica e outros profissionais de saúde sejam necessárias, em especial para o tratamento da halitose extra bucal, o cirurgião-dentista qualificado está preparado para diagnosticar, orientar e acompanhar estes casos.