Retentores Intrarradiculares: como indicar com previsibilidade clínica

Nesse primeiro número do blog CEO Group, faço questão de dizer que me sinto muito honrado pelo convite para iniciarmos uma série de discussões referentes à odontologia que possam contribuir, de alguma forma, para o dia a dia da prática clínica dos nossos colegas de profissão ou aqueles, ainda acadêmicos, que decidiram trilhar os mesmos caminhos pelos quais eu já percorro há 22 anos, atuando como clínico, efetivamente, nas especialidades de dentística, reabilitação oral convencional e sobre implantes dentários, concomitantemente com o exercício da docência. Aproveitando dessa experiência, sirvo-me para alertá-los que nossos textos mostrarão muito da minha prática clínica que sempre foi pautada pela busca da excelência e previsibilidade. Para isso, é impossível distanciarmos do caráter crítico, um traço pessoal, e da literatura científica. Portanto, o objetivo de termos esse canal de comunicação direta é para debatermos sobre os diversos assuntos, que virão em novos números se assim nos permitir, com o seguinte pensamento: “Eu, Sandro Bon, não pretendo que meus caros leitores apenas reproduzam as técnicas ou dicas aqui abordadas; mas, fundamentalmente, que façam uma análise crítica sobre o assunto para que possamos debater e evoluirmos juntos”. Não pretendo ter seguidores robôs, mas seres pensantes, mesmo que discordando do meu ponto de vista. A zona de conforto nunca foi meu lugar predileto e por isso aceitei mais este desafio.

 

Nesse sentido, convido os colegas a terem uma boa leitura e, na sequência, discutirmos sobre a reconstituição dos dentes tratados endodonticamente, assunto esse que sempre gerou controvérsia na literatura científica. 

 

Qual, como e por que utilizar um retentor intrarradicular é o que pretendemos responder neste capítulo, deixando algumas lacunas devido a imensidão do tema, para que possamos debater na sequência. 

 

Boralá, neologismo do carioquês ‘internetê’, que quer dizer: mãos à obra!!!

 

Qual, como e por que utilizar um retentor intrarradicular?

 

É fácil explicar tamanha divergência de opiniões dado o grande número de opções de retentores intrarradiculares disponíveis no mercado odontológico o que gera, por parte dos profissionais, uma série de dúvidas quando da necessidade de optarem por um dos sistemas que atenda aos requisitos básicos, satisfatoriamente, a fim de alcançar previsibilidade a longo prazo. Antes de tudo, precisamos entender que os sistemas são diferentes e apresentam comportamentos biomecânicos distintos, o que pode ser benéfico em determinadas situações clínicas, indiferentes em outras ou ser fatal para a longevidade do dente restaurado. O objetivo principal desse artigo é entender como os retentores intrarradiculares se comportam biomecanicamente, quais as características particulares dos sistemas, orientando o cirurgião-dentista perante as diferentes situações clínicas em seu dia a dia, sejam elas simples ou complexas. 

 

“Mandando na lata” e de acordo com o examinado na literatura científica, concluímos que os sistemas constituídos de fibra de vidro são os que atendem ao maior número de requisitos ideais quando utilizados como retentores intrarradiculares, no entanto, a inobservância de algumas situações clínicas são cruciais para que eles possam falhar, com destaque para as descimentações, fraturas do pino ou da própria raíz do dente. 

 

Após a descoberta da odontologia adesiva, a partir de meados da década de 1950 com os estudos de Buonocore e Bowen e a evolução dos materiais adesivos e dos próprios cimentos resinosos, tem se buscado uma alternativa mais rápida, barata, estética e previsível em relação aos núcleos metálicos fundidos (NMF), os quais são cimentados de maneira convencional com cimento de fosfato de zinco há muitos anos, ou seja, sem estabelecimento de união físico-química e que, apesar disso, atendem satisfatoriamente à maioria das situações clínicas. 

 

Vocês sabem o por quê? Opa, que tal colhermos o melhor dessa experiência positiva de longa data e incorporarmos aos pinos de fibra de vidro (PFV)? Claro, por que não? 

 

Isso é possível sim e utilizamos a modelagem do PFV com resina composta (RC), cuja técnica é denominada de PINO ANATÔMICO, descrita na literatura por Grandini et al (2003), sempre que temos um conduto radicular com diâmetros muito alargados, nos quais não temos um PFV pré-fabricado que possa se adaptar com justaposição de paredes entre o PFV e o conduto radicular, produzindo, consequentemente, uma fina linha de cimentação. Essa é a FÓRMULA DO SUCESSO. 

 

Tchan… tchan… tchan… tchan, não queria interromper sua leitura por aqui, mas se vc… ops, ‘internetê’ querendo me derrubar… se VOCÊ, entender que o principal fator de sucesso para evitar descimentação dos pinos é termos uma fina camada de cimento, tenho certeza que já valeu a leitura. É mais importante até que o tipo de cimento utilizado. 

 

Se o sinal sonoro do seu WhatsApp aí no celular; do seu lado, não para de te chamar, ok!!! Pode seguir lá, foi bom tê-lo por aqui até esse momento, mas se continuar a leitura sei que ainda posso te contar mais alguns segredos. Sabe que não me lembro a última vez que optei por um NMF? 

 

Sim, tenho uma vaga lembrança, mas certamente não foi porque começaram a dizer que NMF fraturam dentes… Já ouviram essa frase dita por algum professor, não ouviram? E aí? Onde fica seu espírito crítico diante dessa afirmação? O que a literatura científica nos aponta? A estatística de insucesso com NMF é elevadíssima? Evidente que NÃO… O fato é que o módulo de elasticidade dos NMF, assim como de qualquer pino metálico ou de zircônia são muito elevados, o que significa dizer que eles não são resilientes sob força, eles NÃO “envergam” e por isso, transmitem toda a força para a raíz que, por consequência, dependendo da sua fragilidade, da intensidade da força aplicada e de seu direcionamento levará à FRATURA CATASTRÓFICA da mesma e perda do elemento dentário, entenderam? Tudo que não queremos. 

 

Lembrou das aulas de física? Momento de força? E se perguntaram alguma vez: para que eu preciso saber física se vou cursar odontologia? Aí está um dos motivos… Parando por aqui para não perder o foco do assunto, mas ainda falaremos muito sobre biomecânica aqui e em outras oportunidades.

 

Teacher !!! – Certa vez uma aluna me chamou assim (ah esses jovens…) e falou: 

– Eu assisti uma palestra em que o teacher afirmou que os PFV são melhores que os pinos metálicos porque possuem MÓDULO DE ELASTICIDADE SEMELHANTE AO DA DENTINA E, SE FRATURAR, VAI FRATURAR O PINO E NÃO A RAIZ. Respondi: – Sério? E você sabe qual é o módulo de elasticidade da dentina? 

– Ahhhh professor… – exclamou a aluna – aí o Sr. me pegou. – mas logo, logo lembrou como se fala professor em português…kkkk!!! – Te respondo agora: Segundo Ko et al (1992), o módulo de elasticidade da dentina é de 18.6 GPa (Giga Pascal) e sabe o que isso quer dizer perante a afirmação que você ouviu?  É MENTIRA. Sabe o por quê? Porque o módulo de elasticidade dos PFV varia de acordo com o DIRECIONAMENTO DE FORÇA aplicada em relação ao longo eixo da fibra. 9,6GPa (Bisco Dental Products®), quando perpendicular às fibras e 129GPa (Bisco Dental Products®), quando no sentido da fibra. 

 

Ouvi um “ohhhhhh”, seguida de uma cara de surpresa. Muito bem, e o que isso importa para nós, clinicamente falando? Respondo: significa dizer que o único setor CRÍTICO vai do dente 13 ao 23, por existir um vetor de forças, oriundo do contato por palatina, que pode se aproximar mais da direção horizontal do longo eixo da fibra, aumentando o risco de fratura do pino. Sendo assim, para qualquer dente diferente destes o risco de fraturar o pino é ZERO…!

 

– Que isso professor? O Sr. não está sendo prepotente? 

– Tá bom, em probabilidade matemática podemos dizer ser próximo a chance de você acertar na mega sena, ok? 

– Mas….teacher – percebi que ela já havia relaxado novamente – estou pensando aqui… – Ops, isso me agrada… – Continua –  incentivei 

– Se os PFV são utilizados nessa região antero-superior, corriqueiramente, devido a sua estética favorável, por que não constatamos um grande número de fraturas de PFV? – Ótima pergunta! E a resposta é: REMANESCENTE DENTÁRIO! O chamado EFEITO FÉRULA… Quando temos ao menos cerca de 2,0mm de remanescente dentário ao redor de toda cervical do dente ele tem maior RESISTÊNCIA à fratura “dividindo a responsabilidade”com o PFV do que nos casos onde não há remanescente cervical. 

– Então o Sr. quer me dizer que o remanescente dentário é muito importante para esse setor da boca, certo? – BINGO!!! Adoro conversar com pessoas que pensam… é isso mesmo!

– Mas professor, e quando não temos essa condição ideal? 

– Aí eu já te digo de início que precisamos controlar melhor as variáveis, e uma dica muito importante é utilizarmos um PFV de maior diâmetro para aumentarmos a resistência que, nesse caso, será mais exigida do próprio PFV. Se a luz do canal estiver preservada eu indicaria, no Brasil, utilizar o sistema White Post DC-E (FGM ®), cuja sigla DC (Dupla Conicidade) facilitará a justaposição com as paredes do conduto, utilizando as brocas calibradoras do próprio kit, e E (Especial), já que a porção que ficará voltada para a confecção do núcleo possui um diâmetro maior, aumentando a resistência à fratura do pino. É fato que considerar as características individuais do dente e do paciente como a oclusão, por exemplo, lhe dimensionará melhor se o caso é mais ou menos crítico. 

– Legal professor, então em dentes posteriores, mesmo sem remanescente dentário cervical a utilização de PFV não é crítica? 

– O que você acha? A indaguei… Ela parou, pensou e respondeu: 

– NÃO, considerando que o Sr. disse que a resistência dos pinos é muito alta quando a direção de forças se dá na mesma direção do longo eixo da fibra eu não preciso do efeito férula. 

– Perfeita a sua interpretação, parabéns. Então vamos mais a fundo: o que você consideraria crítico para região posterior?

– Hmm… Fratura do pino já sei que não é! – Tá bom, vamos pensar juntos. O mais crítico para dentes posteriores sem remanescente dentário cervical é a descimentação do PFV, quando o dente não tem uma câmara pulpar profunda que possa incrementar em área de adesividade/embricamento mecânico pela RC do núcleo. Muitos colegas já se depararam com a descimentação do PFV ao removerem a restauração provisória. Por que isso acontece? Exatamente por falta de adesividade adequada, em especial, dentro dos condutos radiculares quando optamos por um sistema adesivo + cimento resinoso de presa dual. 

– Como fazer então, professor? – Fácil, respondi a ela. 

– Se o dente tem mais de 1 conduto, utilizamos 2 pinos e ao juntarmos, com resina composta, os 2 PFV na confecção do núcleo oferecemos o travamento mecânico dos pinos dentro dos condutos e, sendo assim, quanto mais divergentes os condutos, melhor será o travamento mecânico e menos precisaremos da efetividade da cimentação adesiva. 

– Caramba professor, quer dizer que NMF bi ou tripartido NUNCA MAIS? – Isso mesmo!!! NUNCA MAIS. – Pô teacher, vi um post no insta (Instagram) essa semana de um NMF tripartido confeccionado em ouro que ficou lindo, uma adaptação ESPETACULAR. 

– Eu também vi… Era um post em inglês, não era? – Sim, respondeu ela. – Se você voltar lá vai ver até que eu comentei: “Nice job, but what do you think about fiber post? (tradução: belo trabalho, mas o que você pensa sobre pinos de fibra?)”; e o autor do post respondeu: “if there is enough tooth structure (ferrule 1,5mm) any post material can work well” [tradução: se existir estrutura suficiente (férula 1,5mm) qualquer material pode funcionar bem]. Ele está certo, mas eu vou além, mesmo sem remanescente cervical em dentes posteriores e com condutos divergentes os PFV são a melhor opção, por serem mais rápido (1 consulta), barato, estético e com mesma efetividade, como já dito anteriormente. A criticidade fica mais focada quanto à possibilidade de fratura da raiz, já que a resistência à fratura cresce diretamente proporcional à medida que preservamos estrutura dentária e aí eu já te respondo outra questão, que já deve ter ouvido por aí: “a cimentação de pinos de fibra de vidro reforçam a estrutura dentária”. NÃO, definitivamente, NÃO. A RESISTÊNCIA À FRATURA de um dente depende da ESTRUTURA REMANESCENTE que o mesmo tem, portanto, é sempre importante preservarmos o máximo de estrutura de dente possível. Tá certo que o comportamento biomecânico dos PFV, absorvendo e distribuindo melhor as forças sobre o dente, protege, indiretamente, se comparado aos materiais mais rígidos (metal ou zircônia, por exemplo) que estressam mais a estrutura dentária, aumentando o risco de fratura.  

 

Vale demais ler, com atenção, o artigo publicado pelo P.V. Soares et al, na JPD (2008) que trata exatamente sobre o comportamento biomecânico dos pré-molares superiores tratados endodonticamente. Ressalta-se que esses dentes, quando possuem comprometimento das duas cristas marginais (mesial e distal), diminuem demais sua capacidade de resistência à fratura, o que se recupera em grande parte, se o dente for reconstituído com restaurações adesivas, em especial, resina composta, sem a cimentação de PFV. Entretanto, fica a DICA: se além das cristas marginais as cúspides vestibular e lingual estiverem socavadas, vale pensar em cimentar PFV + núcleo de preenchimento em resina composta (RC) e preparar para receber uma COROA TOTAL, anulando o efeito cunha e prevenindo uma possível fratura longitudinal catastrófica da raiz.

 

– Tá bom professor, o Sr. já falou bastante sobre biomecânica, mas o que o pessoal quer é um protocolo de cimentação dos PFV, passa aí mastigadinho seu protocolo, por favor!!!

 

Para quem chegou até aqui e não percebeu que o mais importante sobre o assunto já foi abordado eu posso fazer um resuminho: se você tiver muito remanescente dentário, basta restaurar com material adesivo (resina ou cerâmica). Se for no quadrante superior anterior com menos estrutura remanescente, vale o PFV para ajudar no comportamento biomecânico, ao passo que se houver pouco remanescente, vale um PFV, por exemplo DC-E, e se o conduto radicular estiver muito amplo é essencial utilizar um PFV de diâmetro maior e modelar com RC (Pino anatômico)… Com isso sua vulnerabilidade estará controlada e, se ainda não estiver satisfeito, para todas as outras coisas existe mastercard. (hahaha) 

 

Esperando as considerações dos professores de plantão e das dúvidas que possam existir. Vejo vocês nos comentários!

 

Ao final da ajuda de todos vocês tenho certeza que chegaremos a um consenso de qual melhor protocolo de cimentação!

 

Obrigado pela leitura e vamos ao debate!!!

 

Sandro Bon
Prof. Coordenador curso CCOI – CBMERJ
Especialista em Prótese Dentária – UERJ
Atualização em Implantodontia – SI
Mestre em Clínica Odontológica – UFF
E-mail: sandrobon73@gmail.com
Instagram: @sandro.bon